O Mendigo e O Ladrão

Escrito por Ricardo Flores Magón e publicado originalmente no periódico mexicano Regeneración, em 11 de Dezembro de 1915

Disponível em http://archivomagon.net/wp-content/uploads/e4n216.pdf




Ao longo da alegre avenida, pedestres vão e vem, homens e mulheres, perfumados, elegantes, insultantes. Encostado na parede está o mendigo, a insistente mão estendida e uma súplica servil tremendo em seus lábios:

"Uma esmola, pelo amor de Deus!"

De vez em quando cai uma moeda na mão do pedinte, que a coloca apressadamente no bolso enquanto esbanja elogios e um degradante reconhecimento. O ladrão passa e não consegue evitar olhar o mendigo com desprezo. O pedinte se indigna, porque a indignidade também se envergonha, e resmunga irritado:

"Não se envergonha, canalha, estar cara a cara com um homem honrado como eu? Eu respeito a lei: não cometo o crime de meter a mão no bolso alheio. Meus passos são firmes como os de todo bom cidadão que não tenha o hábito de andar nas pontas dos pés, na calada da noite, pelas casas das outras pessoas. Eu posso mostrar meu rosto em todos os lugares; eu não evito os olhos da polícia; os ricos olham para mim com benevolência e, deixando uma moeda no meu chapéu, me dão tapinhas no ombro, dizendo para mim "bom homem"!"

O ladrão põe a aba do sombrero na altura do nariz, faz um sinal de nojo, olha minuciosamente ao redor e responde o mendigo:

"Não espere que eu me envergonhe na sua frente, vil mendigo. Honrado? A honradez não vive de joelhos esperando que joguem o osso que deve roer. A honra é altiva por excelência. Eu não sei se sou ou não honrado, mas confesso que me falta coragem para suplicar ao rico que me dê, pelo amor de Deus, uma migalha de tudo que me despojou. Eu violo a lei? Sim, mas a lei é uma coisa muito diferente da Justiça. Violo a lei escrita pelo burguês, e essa violação contém em si um ato de justiça, porque a lei autoriza o roubo do rico em prejuízo do pobre, isto é, uma injustiça, e quando eu arranco dos ricos parte do que nos roubaram, cometo um ato de justiça. O rico de dá tapinhas no ombro, porque seu servilismo, sua baixeza abjeta, garantem que ele desfrute tranquilamente daquilo que roubou de você, de mim, e todos os outros pobres. O ideal do rico é que todos os pobres tenham alma de mendigo. Se você fosse homem, morderia a mão do rico que te joga uma casca de pão. Eu te desprezo!"

O ladrão cospe e se perde em meio a multidão. O mendigo olha para o céu e geme:

"Uma esmola, pelo amor de Deus!"

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